A euforia que impulsionou as ações de tecnologia ao redor do planeta ao longo de 2024 começou a perder força na abertura de dezembro, e o efeito cascata já se faz sentir no radar de fundadores, investidores-anjo e family offices que apostam em startups de inteligência artificial. Com o Nasdaq recuando 1,8% na véspera e os contratos futuros do S&P 500 em leve baixa, o consenso de mesa-de-negociação é que o “prêmio pela narrativa” da IA já está precificado; agora o mercado cobra demonstração de receita recorrente, margem positiva e uso real de grandes modelos antes de desembolsar novo capital. No Brasil, onde o Ibovespa acumula 53% de alta em dólar e tenta consolidar os 160 mil pontos, a correção global serviu como gatilho para lucro: R$ 3,2 bilhões de fluxo negativo foram registrados ontem em papéis de tech e saúde digital, indicando que investidores locais esticaram o prazo de cotização e aguardam balanços do quarto trimestre para recomprar posições.
Operacionalmente, o ambiente mais seletivo impõe três desafios imediatos às companhias de base tecnológica. O primeiro é o custo do capital: a curva de juros implícita para 2025 caiu 14 pontos-base ontem, mas ainda indica Selic acima de 10,5%, o que eleva o WACC e reduz o valor presente de fluxos de caixa de empresas em pré-receita. Segundo, a liquidez secundária de BDRs e units de startups listadas no Novo Mercado caiu 27% em outubro-novembro, aumentando o deságio de rotação de portfolios e dificultando follow-ons para rodadas série B ou C. Terceiro, clientes corporativos passaram a exigir contratos de software como serviço com cláusula de ROI mensurável; fornecedores que não conseguirem provar ganho de produtividade ou redução de churn correm risco de ver contratos serem congelados no primeiro trimestre, alongando o cash conversion cycle e pressionando necessidade de giro de capital de giro.
Do ponto de vista de mercado, a correção abre janelas de aquisição para players consolidados com caixa em moeda forte. Fundos de private equity com capital disponível superior a R$ 35 bilhões estão especialmente interessados em alvos com receita entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões, EBITDA próximo do breakeven e modelos de dados proprietários que possam ser plugados em plataformas maiores. Na contrapartida, startups que dependiam de bridge rounds com caps de 30% de desconto sobre a última valuation correm risco de down-round ou diluição pesada, caso não atinjam métricas de churn < 2% ao mês ou LTV/CAC > 4,5 até março. O câmbio, hoje em R$ 5,70, funciona como amortecedor: empresas com faturamento em dólar conseguem compensar parte da desvalorização de múltiplos, mas importadoras de chips e cloud enfrentam aumento de 8% no custo de goods sold, ameaçando meta de margem bruta de 65% exigida por investidores.
Riscos regulatórios acrescentam volatilidade adicional. A Comissão de Valores Mobiliários colheu ontem contribuições sobre o relatório de governança de criptoativos e IA, sinalizando que modelos que usem dados pessoais para treinamento poderão enquadrar a empresa como prestadora de “serviço essencial de dados”, sujeita a LGPD reforçada e penalidades de até 4% da receita. No campo fiscal, a tramitação da PEC do IA no Senado prevê dedução de 150% de despesas com pesquisa em modelos de linguística computacional, mas também tributação de 1,5% sobre fluxo de dados transfronteiriço, impactando SaaS que hospedam LLMs fora do país. Oportunidades surgem para soluções de compliance local: estima-se que o mercado de tecnologia de governança para IA movimente R$ 1,8 bilhão em 2025, com margem operacional superior a 40% para empresas que conseguirem certificar algoritmos contra viés e oferecer auditoria automatizada como serviço. Em suma, o ciclo de capital mais restritivo separará sobreviventes com modelo de negócio escalável daqueles que dependeram apenas da narrativa de inovação; o horizonte de 12 meses será decisivo para definir os próxores unicórnios nacionais.